quinta-feira, outubro 27, 2005

Ilu-aye

aonde estão meus antepassados negros, senão aqui em meu sangue, pulsando todos os seus sofrimentos, me arrepiando cada vez que ouço um tambor ou mesmo um canto como Ilu-aye, onde estão meus guerreiros, que obrigados deixaram sua terra, sofrendo, deitando lágrimas de saudades por sua terra.
Quem me vê com essa pele clara, não os vê, mas a história trago em mim, não sei de todos, mas sei de Sá Sinhana minha bisavó, negra, brava mulher, brava de lutarora, brava por sofrimentos vividos na vida.
Essa mulher que nunca foi à escola, que cumprimentava até mesmo as crianças por Senhor e Senhora, dizia bom dia a todos que encontrava pela rua, essa guerreira que botou na cabeça que se casaria com um homem branco e assim o fez, e de olhos azuis, preconceito? sofrimento sentido na pele.
Trabalhadora da roça, D. Ana Cândida de Jesus teve tantos filhos, Joaquim, Amancio, Maria da Conceição (Lica) minha avó, Ilda e Zilda (gêmeas da pele bem negra), Pedro e Custódia, estes são os que sei, talvez houvesse outros.
Do meu bisavô pouco sei através das narrativas de minha avó, que se lembrava dele bem pequena, chegando à cavalo, lhe trazendo balas, lhe defendendo dos irmãos, que a apontavam porque seu ouvido vivia escorrendo, já era a inflamação que lhe causou a surdez permanente. Este homem, que ela dizia ser muito alto, morreu muito cedo, lá na roça, E os filhos bem pequenos D. Ana tinha que cuidar.
Da terra, viria o sustento, sem ser dona, numa casa de pau a pique, simples, pobre, porém limpa.
Joaquim, um menino logo foi mandado para ajudar a cuidar do gado, tão pequeno ele contava, humilhado, dores da infância.
Minha vó essa cuidaria da casa, da roupa e ai se não fizesse direito, a roupa encardida, na sua bouca viraria escarlate.Lavando nela pra nunca mais se esqucer da brancura dos lençois.
Cada um teria seu destino traçado minha tia Ilda trabalharia na cidade na casa de d. Mariana, seria como filha.
Tia Zilda seguiria como empregada para Belo Horizonte, outra família, mais uma filha porém como serva.
Tia Custódia casaria aos treze, com um homem bem mais velho, noite de núpcias, por medo lhe restaria se esconder debaixo da cama, mas D. Ana, logo advertida, passaria por lá e lhe diria, Dorme com ele ou amanhã te pego no lombo!
Tio Pedro, logo mais trocaria seu sobrenome não carregaria o trocaria pelo Cruz.
E assim a preta D. ana vivendo com seus filhos, sua irmã que nunca se casou a titia, sim todos a chamavam assim, à pouco tempo fiquei sabendo seu nome Maria José, que se assentava na frente do terreiro às 6 da tarde para rezar seu terço, que dizia á minha mãe, o que seria dela e de minha avó quando ela morresse. Minha mãe, na sua ingenuidade de menina pediu: "Titia, quando você morreer, você vem me buscar". Titia disse, sim.
quando tittia se foi, ela magrinha, magrinha que sempre foi, tanto assim que a criançada a carregava na "cagunda", ainda mais se diminui na hemorragia, e assim no fio, se foi pra Deus e minha mãe, na escuridão da noite, pedia, titia, eu tenho medo não me leva não!
D. Sinhana, dizia sempre seus ditados "deixa estar que um dia a lagoa há de secar', seus patrões que dividiam tudo no terreiro do dono, sendo que a justiça, era do dono, pois quem plantou, tomou chuva, poeria e cansaço nada podia ter, além daquilo que lhe era "merecido".
E orgulho é o que não faltava à ela, minha mãe dizia que tantos meses elas passaram à mingau de fubá doce, pois não havia a gordura do pocro pra cozinhar, tinha que se esperaro tempo e esse tempo, durava para uma criança uma eternidade, ninguém sabia, e quando uma preta velha lá na roça lhe oferecia um poquinho da sua comida, minha bisavó baixinho dizia e beliscava minha mãe,"fica quieta, não vai lá não"!
E quando minha mãe branquinha, ia com ela pra roça e chorava o dia inteiro na idéia dela, por causa dos mosquitos e do sol ela dizia "É minha filha estuda, porque senão seu fim é esse mesmo"!
A melhor das histórias foi quando minha mãe voltando da escola nos primeiros dias, ela foi lhe pedir que lesse uma carta dela, e óbvio, minha mãe ainda não sabia ler, ela muito enfurecida "mas que escola é essa que não te ensina a ler".
Seu único sonho foi ser dona da terra ao ouvir pelo rádio que haveria a tal da REforma Agrária ela muito ficou feliz, Jango, é mas a história não lhe deu este presente!
bom vou parando por aqui, porque uma história puxa outra, e calmamente vou contar desses meus entes tão queridos que vieram de ilu-aye - (terra sagrada)!
Minha reverência a todos! Quero sempre homenageá-los através das palavras que nunca puderam ler nem tampouco escrevê-las e aqui estou graças a garra de todos vocês!

Nenhum comentário: